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Áreas de proteção que estão abandonadas: aplicado a ocupação de Muzena no Rio de Janeiro


Por Mariana Carvalho


Construções irregulares erguidas pela milícia crescem cada vez mais em áreas de preservação ambiental no Rio de Janeiro. São, em sua maioria, construções ilegais, realizadas pela milícia, sem saneamento básico ou respeito ao meio ambiente. Áreas que antes abrigavam encostas cobertas por densa mata atlântica, florestas e plantações e rios e lagoas.


Investigadores suspeitam que grupos de milicianos estejam por trás de alguns desses empreendimentos, que ameaçam há décadas as matas fluminenses.


Milícias, grupos armados formados por integrantes e ex-integrantes de forças de segurança do Estado, como policiais, bombeiros e agentes penitenciários, são conhecidas por controlar territórios e cobrar, com violência, taxas por serviços, como venda de água, gás, cestas de alimentos, transporte clandestino, TV a cabo e internet piratas.


Segundo o biólogo Mário Moscatelli, em entrevista ao RJTV, "O que a gente observa é que toda essa ocupação desordenada, além de afetar a estabilidade das encostas, temos também a produção de esgoto e esse esgoto vai parar aonde? Dentro dos rios. Então, você tem o exemplo clássico dessa situação no rio Itanhangá, que é um valão de esgoto que joga todo esse material dentro da lagoa da Tijuca", explica o agravante das construções em massa.


"Infelizmente, a ocupação se dá de forma desordenada atacando justamente aquilo que dá estabilidade na encosta. Ou seja, corte na vegetação, corte na drenagem natural e são tragédias anunciadas pra acontecer", acrescentou Moscatelli.


Os principais rios que chegam ao sistema lagunar sem praticamente exceção são imensos valões de lixo e esgoto in natura ou precariamente tratados. Os rios e ou canais denominados Marinho, Pavuninha, Pavuna, Arroio Fundo, Anil, Pedras, Itanhangá, Cachoeira e Taxas, são sistemas biológicos mortos ou próximos disso, visto que a carga de matéria orgânica lançada tanto em áreas de classe média, média alta e alta como em favelas, completamente desprovidas de saneamento, conduzem os níveis de oxigênio da coluna d'água à zero ou próximo disso.


A overdose de nutrientes, por sua vez, estimula a superprodução de biomassa de macrófitas aquáticas que assoreiam canais e rios e agravam ainda mais os potenciais problemas relacionados com enchentes, um fenômeno natural nesse tipo de ambiente denominado genericamente como baixada.


Além do incremento da biomassa de macrófitas aquáticas, a eutrofização das águas lagunares, possibilita associada ao processo de assoreamento acelerado das lagunas, condições ideais, principalmente durante o verão, para a proliferação de cianobactérias tóxicas, afetando ainda mais a já combalida biodiversidade existente.


Levantamentos recentes efetuados em 2021 em parceria com o laboratório de ecotoxicologia da Fiocruz atestaram a presença não apenas a existência das cianobactérias tóxicas como de suas toxinas nas águas utilizadas frequentemente para uso primário no trecho final do canal da Joatinga como na praia da Barra no trecho influenciado pelo escoamento das águas do sistema lagunar através do Quebra-Mar.


Outro aspecto estratégico completamente negligenciado historicamente por uma região denominada de baixada, portanto, naturalmente inundável, diz respeito ao seu sistema de drenagem (rios, canais e lagunas), geralmente, completamente assoreados seja pela presença de grande volume de sedimentos e lixo de todos os tipos, fruto da ocupação urbana desordenada, associada ou não ao grande volume de macrófitas aquáticas alimentadas pelo aporte permanente de esgoto.


Destaca-se que apenas na laguna da Tijuca, a principal via de drenagem de toda a região, responsável pelo escoamento da maior parte das águas produzidas nos maciços da Pedra Branca, Tijuca e pela própria baixada, em 2007 já se acumulavam 6.5 milhões de metros cúbicos de sedimentos e lixo. De lá para cá outros períodos intensamente chuvosos como os de 2010, 2016 e 2019, devem ter somado mais alguns milhares de metros cúbicos de resíduos que agravaram ainda mais a situação observada em 2007.


Série de imagens mostra evolução da ocupação na região da Muzema entre 2003 e 2018 - Fonte BBC News


Segundo o sociólogo José Cláudio de Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que pesquisa a milícia da Baixada Fluminense. "Como atuam dentro da estrutura de governo, têm acesso às informações, sabem de quem é uma terra, se tem fiscalização e, se tem, sabem como evitar. Assim, conseguem mapear facilmente áreas sujeitas à atuação deles", diz o pesquisador.


O bairro do Itanhangá, vizinho à Barra da Tijuca, é espremido entre uma encosta densa de mata atlântica e uma pequena lagoa. Sua fronteira se mistura com o Parque Nacional da Tijuca. Tem condomínios com casas caras, um clube de golfe e algumas das comunidades hoje controladas por milicianos, como Rio das Pedras, uma das maiores favelas da cidade, e a favela da Muzema.

Esta última cresceu rapidamente nos últimos anos, encosta acima, arrasando com o bioma e se aproximando dos limites do Parque - mais especificamente, a 50 metros de sua zona de amortecimento, como são chamadas as faixas de proteção de unidades de conservação.

As consequências ambientais da construção do empreendimento também são descritas na ação e foram elaboradas pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público: erosão, assoreamento de cursos de água, desestabilização da encosta, afugentamento de animais, perda de biodiversidade e material genético, degradação do ecossistema que sobra, impermeabilização do solo e aumento do escoamento de água de chuva, alteração do microclima local, potencial poluição hídrica em decorrência da ausência de sistema de esgotamento sanitário e sobrecarga na rede existente, alteração da paisagem, adensamento populacional sobrecarregando a infraestrutura existente.

O procurador Júlio José Araújo Júnior, do Ministério Público Federal, que atua na Baixada Fluminense, diz que uma das principais dificuldades de atuar contra esse tipo de crime é que existem vias que dão chancela legal a esses empreendimentos. "O desmatamento ocorre, um loteamento é feito, pede-se a regularização fundiária. É assim que funciona qualquer ocupação. Existe uma população que está morando ali e instala-se um dilema - ou você tira eles dali ou regulariza a terra", diz o procurador.

A prática de extrair areia e outros minerais é antiga na Baixada e pode ser legal, se feita com autorização das autoridades, cumprindo limites e compensando danos ambientais, diz o ecologista Sérgio Ricardo, fundador da organização Baía Viva, que atua na proteção da Baía de Guanabara. A demanda aumentou exponencialmente nos últimos anos, puxada pela execução de obras para grandes eventos.


Areal em área de proteção ambiental na Baixada Fluminense - Fonte BBC News



As consequências para o meio ambiente são diversas, explica o ecologista: desmatamento, destruição da faixa de terra à borda dos rios, assoreamento, contaminação do lençol freático.

Portanto, sem o combate permanente às duas principais causas históricas da degradação sistêmica associadas ao crescimento urbano desordenado e a falta de saneamento universalizado, todas as demais ações estarão fadadas ao insucesso parcial ou completo.

No entanto, destaca-se que por conta do atual estado de degradação existente, ações imediatas sobre as consequências, precisam também ser executadas paralelamente ao combate das causas, da degradação de materialização mais lenta, visando evitar justamente o agravamento da atual situação.








Referências:


Construções irregulares erguidas pela milícia crescem em áreas de preservação ambiental no Rio. Regueira, Chico. G1 Globo. Publicação 05 de junho de 2020. Acesso em 15 de março de 2022.


Como a milícia ameaça as matas do Rio de Janeiro. Franco,Luiza.BBC News Brasil em São Paulo. Publicação 20 de setembro de 2019.Acesso em 15 de março de 2022.


Degradação do sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá. 6 de fevereiro de 2022. MoscatelliI, Mario. Wall Street International: ciência e tecnologia. Acesso em 15 de março de 2022.




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