Por Hiasmin Sodré
O que acontece com sua latinha de refrigerante depois do descarte? Provavelmente você respondeu que ela será recolhida para reciclagem – não à toa, já que cerca de 98% das latas de alumínio para bebidas são recicladas no Brasil. Mas como isso ocorre? Existe uma estrutura denominada “cadeia de reciclagem”, que possui como base os catadores: cerca de 800 mil pessoas que recuperam 90% do material reciclado no país e são responsáveis por realizar o trâmite até os comerciantes desse material e as indústrias que os reciclam. Apesar de realizarem um serviço de extrema importância, os catadores enfrentam condições de trabalho inadequadas, nenhum reconhecimento social e garantia trabalhista, além de uma baixa remuneração.
Como forma de viabilizar a valorização desse trabalho realizado pelos catadores, foi realizado um estudo de caso em uma cooperativa carioca para compreender o funcionamento dessas instituições, bem como fazer sugestões e propostas de intervenções para os problemas identificados.
Como as cooperativas funcionam?
A seguir apresenta-se um fluxograma operacional simplificado da cooperativa, onde as setas tracejadas são caminhos opcionais.
Fonte: TANAKA, Hanna Lye Souza; RATIER, Rafael Berbara. Cenários de precificação da operação de triagem e análise organizacional em cooperativas de reciclagem. Rio de Janeiro: UFRJ/EQ, 2021.
Cerca de 71 toneladas/mês de material são recolhidas pelos caminhões da COMLURB ou da própria cooperativa, que arrecada os resíduos de órgãos públicos que são obrigados a ter coleta seletiva, de acordo com decretos governamentais. O material é despejado no pátio principal da cooperativa para, então, dar início a triagem – os barriqueiros levam o material do chão, em bombonas, até as mesas, onde os meseiros são responsáveis pela separação do material em bags.
Após essa etapa, ocorre o ensacamento e o possível beneficiamento, realizado na forma de prensagem, no qual as embalagens de Tetra Pak e garrafas PET são acondicionadas em fardos, por possuírem, assim, maior valor agregado. Por fim, os materiais são vendidos, com emissão de nota fiscal, e o transporte é realizado pelo comprador. O material não vendido, rejeito, constitui cerca de 21% em relação ao recebido; é recolhido pela COMLURB e destinado ao Centro de Tratamento de Resíduos (CTR-Rio).
Os salários dos cooperados varia de acordo com a função desempenhada por cada um, onde os meseiros ganham de acordo com o quilo de material triado, e os demais recebem um valor fixo.
Quais problemas foram identificados?
Diversos fatores foram reconhecidos e classificados em internos e externos. De maneira resumida, as limitações internas comprometem a produtividade da cooperativa e são causadas por: organização espacial inadequada; falta de capacitação para gestão; falta de assiduidade dos cooperados; sobrecarga de atividades para membros da gestão, que implica em um planejamento financeiro mal estruturado.
As limitações externas contribuem mais no âmbito social, com a marginalização da classe dos catadores, e são oriundas de: entraves culturais e governamentais, como contaminação do material recebido, baixa taxa de cobertura da coleta seletiva, além do veto ao projeto de lei PL 2.867/2014, que fundaria o “Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais de Reciclagem” beneficiário às cooperativas; entraves comerciais e tecnológicos, como a dependência do câmbio do dólar e de commodities de produtos de petróleo e minérios; falta de regulação do sistema de Créditos de Logística Reversa (CLR), que dificulta o estabelecimento de preços capazes de gerar uma remuneração adequada.
Projeções e propostas de remediação
O estudo realizou projeções financeiras de fluxo de caixa (entrada – saída) em cenários que visam garantir os direitos trabalhistas dos cooperados e também adicionar benefícios. Nas projeções de cenário mínimo, que abrange apenas os custos relacionados aos direitos trabalhistas, e de cenário complementar, que inclui benefícios como convênio médico e vale refeição/alimentação, o saldo do fluxo de caixa é significativamente negativo. Para reverter essa situação, seria necessário que o preço médio pago pela tonelada de resíduos fosse pelo menos o dobro do pago atualmente.
O fortalecimento da atuação do poder público e setor privado é a chave para garantir a reversão desse cenário. A implantação do Pagamento por Serviço Ambiental (PSA), como já ocorre em outros estados, bem como o fomento de projetos, realizado por empresas, que promovam a capacitação e assessoria para as cooperativas podem minimizar alguns dos problemas descritos anteriormente.
Referências
Associação Brasileira do Alumínio. Reciclagem no Brasil. Disponível em: https://abal.org.br/sustentabilidade/reciclagem/reciclagem-no-brasil/ Acesso em 28/06/2021.
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Descartáveis. Ciclo da Cadeia Produtiva de Reciclagem. Disponível em: http://www.mncr.org.br/biblioteca/formacao-e-conjuntura/ciclo-da-cadeia-produtiva-de-reciclagem Acesso em 28/06/2021.
TANAKA, Hanna Lye Souza; RATIER, Rafael Berbara. Cenários de precificação da operação de triagem e análise organizacional em cooperativas de reciclagem. Rio de Janeiro: UFRJ/EQ, 2021.
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