Por Larissa Freire
Sabe-se que a geração e destinação de resíduos sólidos derivados das atividades humanas é uma questão com relevância mundial, pois uma má gestão dos mesmos apresenta grande potencial de acarretar efeitos nocivos à saúde das pessoas e ao meio ambiente, além de representar perdas econômicas devido ao constante desperdício de matéria-prima para a produção de novos produtos. Inserido nesse contexto, os resíduos eletroeletrônicos (REE), em especial, sendo compostos por diferentes substâncias tóxicas e de difícil degradação, como metais pesados e Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), são classificados como resíduos perigosos por apresentarem riscos à segurança de vida das pessoas, o que salienta ainda mais a necessidade de esforços com vistas ao seu adequado gerenciamento.
Consumo e geração de resíduos
O mundo tem voltado a atenção aos REEs devido a sua descomunal geração que tem sido alarmante nos últimos anos. Isso pode ser observado segundo dados da ONUBR, que, em 2018, estimou por parte da indústria de eletrônicos uma geração de REEs anual de até 41 milhões de toneladas, sendo os mais comuns computadores e smartphones. Anteriormente, de acordo com o relatório The Global E-waste Monitor, em 2016, dos 44,7 milhões de toneladas/ano gerados, apenas 20% (cerca de 8,9 milhões de toneladas) foram reciclados. Aproximadamente 4% de todos esses materiais geralmente são dispostos em aterros sanitários; 76% deles acabaram sendo incinerados ou pararam em recicladoras informais. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), anualmente são descartados em torno de 500 mil toneladas de REEs no Brasil e estimativas sugerem que haverá um aumento na geração de até 680 mil toneladas ao ano até 2030.
Tais dados alarmantes estão diretamente relacionados à evolução tecnológica e o aumento do uso de equipamentos eletroeletrônicos que, motivado pela dependência crescente das atividades econômicas, obsolescência programada e pelos padrões de consumo exacerbado impostos à sociedade devido ao avanço de técnicas de persuasão utilizadas em propagandas, culminaram numa alta velocidade de consumo e descartabilidade desses produtos.
O fato é que a fabricação desses produtos não sendo pensada para durar, mas sim para lançar em larga escala constantes inovações e atualizações que tornam o novo já ultrapassado, aliadas a atribuição de valores aos produtos e criação de desejo pelo mais recente, os tornaram obsoletos induzindo a ocorrência de trocas de versões sem haver necessidade por parte do consumidor e, assim, os produtos eletrônicos passaram a possuir um ciclo de vida mais curto. Como exemplo, para equipamentos de informática e celulares são estimadas vida útil de 2 ou 3 anos, sendo esses os que possuem maior rapidez de serem substituídos, e consequentemente descartados.
Além disso, de acordo com alguns estudos, a quantidade e complexidade da geração de REEs em um determinado espaço geográfico está diretamente relacionada à densidade populacional e ao poder aquisitivo (PIB) e qualidade de vida da população, pois esta tendo melhores condições de vida, possui maior poder de compra e, portanto, consome mais equipamentos eletroeletrônicos, e gera mais resíduo.
Tais fatores aliados ao deficitário gerenciamento de resíduos eletroeletrônicos nas cidades agravam ainda mais a insustentabilidade deste cenário.
REEs
Os Resíduos Eletroeletrônicos (REEs), popularmente conhecidos como lixo eletrônico ou e-lixo, correspondem a equipamentos elétricos e eletrônicos, partes e peças, que ao fim de sua vida útil, seja por quebra, defeito, falta de utilização ou substituição, são descartados como lixo, sendo que só deveriam chegar a esse ponto quando fossem esgotadas suas possibilidade de reaproveitamento e reciclagem. Porém, tal ação se configura em verdadeiros prejuízos à economia pois esses materiais possuem alto potencial de valoração por possuir materiais preciosos recuperáveis podendo servir como matéria-prima secundária evitando inclusive a necessidade de extração de matéria-prima virgem, e consequentemente reduziria os gastos envolvidos nesse processo.
Infelizmente alguns entraves se apresentam dificultando sua segregação, reciclagem e até sua valoração como matéria-prima secundária, que é o fato desses REEs possuírem uma composição bastante diversificada. Neles estão contidos materiais potencialmente recicláveis como vidro, plástico e metal que possuem um tempo de degradabilidade muito alto no meio ambiente, além de gases depletores da camada de ozônio e metais pesados tóxicos como alumínio, arsênio, bário, cromo, níquel, cobre, cádmio, chumbo e mercúrio, os quais são fixados por cola ou solda e se encontram em diversas camadas, tornando complexa a sua separação.
Tais materiais podem levar à contaminação do meio ambiente, pois o contato dos metais pesados com a água leva à produção de chorume tóxico que penetrando e percolando as camadas do solo contamina lençóis subterrâneos e pode vir a se bioacumular nos organismos dos seres vivos trazendo efeitos negativos para toda a biota. Além disso, impacta negativamente a saúde de pessoas que os manipulam sendo estes expostos a contaminação por metais pesados podendo levar a doenças graves ou até a morte.
Por serem materiais tóxicos e apresentarem níveis rápidos e altos de geração de resíduos torna-se um grande desafio seu gerenciamento seguro e adequado. O manejo e retirada de cada um dos constituintes exige pessoal capacitado e um processamento diferenciado e bastante complexo para realizar sua separação gerando mais custos e mais impacto na coleta, logística e tratamento desses resíduos. Por isso, geralmente o que ocorre são processos de reciclagem informais, representando um risco à biota e a saúde dos diretamente envolvidos no processo.
Impactos dos REEs e vantagens da reciclagem
No Brasil, onde há uma precária educação ambiental e falta de um gerenciamento de resíduos eletroeletrônicos adequada, há um consumo e descarte não conscientes por parte da população que é feito via lixo comum, assim, inviabiliza o produto de ser recuperado e de retornar à cadeia produtiva. Dessa forma, o resíduo é disposto inadequadamente em lixões a céu aberto ou em demais locais inapropriados, gerando acúmulos cada vez maiores, contaminação do solo e de águas subterrâneas, alterações na qualidade de ecossistemas, contaminação do ar quando este é queimado, e devido à presença de substâncias tóxicas ao serem manuseadas sem a devida proteção por catadores, o que é bastante comum pois a reciclagem ocorre muitas vezes no campo informal, pode contaminar o indivíduo causando impactos nocivos à saúde e podendo levar até à morte.
Além disso, a falta de reciclagem de tais produtos ocasiona perda econômica pela não valorização desses materiais recicláveis. De acordo com o relatório realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017, foi avaliada uma perda de 55 bilhões de dólares devido ao não reaproveitamento desses resíduos, que muitas vezes contém componentes de valor como ouro, prata, cobre, platina, entre outros. Se houvesse reaproveitamento, a extração de matérias-primas seria menos necessária, e, assim, minimizaria também os impactos socioambientais causados pela mineração. Dessa forma materiais valiosos não estariam ocupando lugar nos aterros, mas sim retornando ao mercado e se tornando novos produtos.
Ademais, todo esse intenso fluxo de consumo e geração de resíduos levou e ainda levam países desenvolvidos a exportarem, algumas vezes de maneira ilegal, seus REEs para países em desenvolvimento com pouca regulamentação e fiscalização, sendo muitas vezes processados em locais informais por pessoas sem qualificação nem equipamentos de segurança, operando de forma inadequada em locais sem licenciamento, e em condições precárias, acarretando danos ao meio ambiente e saúde da população desses países, pois os rejeitos frequentemente são dispostos em lixões a céu aberto ou no ar quando queimados totalmente sem controle de emissões. Mas também, apesar das substâncias tóxicas, a presença de componentes com alto valor econômico e preciosos com possibilidade de recuperação fez com que países importassem esses resíduos, como é o caso da Nigéria, Índia, Paquistão, Uganda, China, entre outros, que, de acordo com dados de 2013, importaram cerca de 70% dos REEs no mundo com o objetivo de utilizá-los para compor equipamentos ampliando sua inclusão digital.
A reciclagem de REEs, se feita de maneira segura e responsável, traz inúmeros benefícios como redução de custos e consumo de energia, o aumento da vida útil dos aterros sanitários, a minimização dos impactos ambientais e à saúde humana, a redução de custos ao aproveitar tais materiais como matéria prima secundária, o que, finalmente, contribui para a redução de gases de efeito estufa e a geração de emprego.
No próximo post continuaremos a abordar outros tópicos dentro desta temática do cenário dos resíduos eletroeletrônicos. Fiquem ligados!
Referências
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